Nutricionista alerta para riscos das dietas mirabolantes: “Podem levar a óbito” | RDNEWS

Arte/Rodinei Crescêncio/RDNews

Dietas da sopa, detox, Low Carb, Lac Free e muitas outras são cada vez mais constantes no vocabulário diário das pessoas nas ruas, principalmente aquelas que decidem iniciar um processo de emagrecimento por conta própria ou adotar um estilo de vida saudável. Nas redes sociais, não é incomum encontrar perfis com milhares de seguidores onde receitas ou indicações de planos alimentares são repassados sem nenhuma contraindicação. Mas elas existem. É o que alerta a nutricionista Ira Soraya Corrêa de Arruda, que há 31 anos atua na área e vê com preocupação o acesso indiscriminado a dietas, que ela esclarece serem, de fato,  estratégias alimentares que devem ser adotadas apenas sob indicação e acompanhamento de um profissional. “As dietas mirabolantes que as pessoas colocam nos sites ou indicam, implicam em risco à saúde. […] Eu vejo com muita crítica a aplicação de dietas que são encontradas na internet, porque pode levar inclusive a óbito”, disse. Em entrevista ao Nutricionista alerta para riscos das dietas mirabolantes: "Podem levar a óbito" | RDNEWS, a profissional ainda expôs os riscos da adoção do chamado jejum intermitente, fala da importância de se desmistificar a imagem que parte da população tem dos nutricionistas e defende a importância de se ter uma alimentação saudável desde criança ou, se possível, iniciando os cuidados ainda na gestação, para se ter uma sociedade longeva e menos doente.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista

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Como nutricionista, a senhora vê com preocupação essa proliferação de páginas de coachs de emagrecimento e vida fitness nas redes sociais, principalmente no Instagram? Quais os riscos de se seguir cegamente as dicas passadas por esses perfis?

Rodinei Crescêncio/RDNews

Nutricionista Ira Soraya Corr�a da Costa

O acesso ao profissional nutricionista, hoje, é muito mais fácil do que outrora. Todos os postos de saúde têm um nutricionista que pode ajudar. Porque quando você opta por fazer alguma coisa que vai envolver a sua saúde, deve ter muita clareza do que pode acontecer – e não é isso que acontece. Na busca e na ansiedade pelo emagrecimento, as pessoas recorrem muito à internet, e aí passam por informações que não têm nenhuma base científica. Recentemente, por exemplo, tivemos mortes por conta da ingestão de chás, porque todo mundo acha que chá é algo que não vai fazer mal algum – e faz. Então, eu vejo com muita preocupação isso. Infelizmente, a educação não é uma coisa boa no nosso país e muita gente acredita que tudo o que está na internet é verdadeiro, e isso não procede. Então, as dietas mirabolantes que as pessoas colocam nos sites ou indicam, implicam em risco à saúde. Devemos pensar que cada um de nós é um ser único, então aquilo que é bom para você pode não ser bom para mim.  E quem vai conseguir fazer essa seleção do que é melhor para cada um é só o profissional nutricionista, e profissional que se dedica a estudar. Porque as coisas que eu estudei há 30 anos na faculdade, nada mais eu utilizo hoje. Naquela época, por exemplo, nós contávamos calorias. Hoje em dia, ninguém mais sai do meu consultório com uma dieta baseada em calorias. É preciso atualização constante. Há uma estratégia aplicada para cada paciente. Se você sai do meu consultório com um plano de sugestão alimentar e dá para a sua comadre, pode ser que não dê os mesmos resultados, porque você está usando suplementos que eu passei para você, baseado nos seus exames e na sua história de vida. Por isso, eu vejo com muita crítica a aplicação de dietas que são encontradas na internet, porque pode levar inclusive a óbito.

Então, essas dietas muito propagadas – como da sopa, detox, low carb, de proteínas – são estratégias dentro de um plano alimentar e não devem ser levadas para a vida?

O ponto principal no tratamento do emagrecimento é você lidar com a comida de uma forma tranquila, quando a comida não é vista por você como um desafio


Ira Soraya Corrêa da Costa

Não devem. São estratégias que dependem de cada pessoa, do organismo de cada um. Eu sempre falo: dieta é uma coisa que não funciona. Como nutricionista há 31 anos, eu falo que tenho um pouco mais de experiência para falar desse assunto. Eu nunca fiz dieta na vida. O ponto principal no tratamento do emagrecimento é você lidar com a comida de uma forma tranquila, quando a comida não é vista por você como um desafio. O alimento é só uma coisa que vai me nutrir, mas não vai tratar a minha ansiedade, a minha raiva, a minha tristeza. Nada disso se resolve com comida. Por isso é preciso associar sempre o nutricionista com terapia psicológica para poder ter resultados a longo prazo ou definitivos. Porque o que a gente vê é muita gente passando a vida em um “efeito ioiô”: emagrece 20 kg, engorda 25 kg. Se você busca emagrecimento, procure primeiro se conhecer emocionalmente, porque você está comendo em excesso por conta das suas emoções. A saúde mental caminha com a saúde física. Não tem como tratar apenas uma coisa, esperar que o nutricionista faça milagres. Hoje a gente faz a nutrição comportamental no consultório e eu uso muito dessa estratégia. Para uma pessoa ansiosa, por exemplo, eu jamais posso propor que ela faça uma dieta low carb, porque quanto mais restrições eu faço para aquela pessoa, mais eu crio momentos de compulsão nela. A low carb, por exemplo, consiste em restrições drásticas [na ingestão de carboidratos]. Se eu falar para uma pessoa ansiosa que ela não vai comer pão ou apenas uma fatia, uma vez na semana, na primeira oportunidade que ela tiver diante de uma cesta de pães, ela não vai comer uma fatia, mas meia dúzia de pães, porque ela não sabe quando ela vai poder comer de novo. Então, essas dietas são, na verdade, estratégias pontuais.

Rodinei Crescêncio/RDNews

Nutricionista Ira Soraya Corr�a da Costa

A prática do jejum intermitente também ganhou grande adesão nas redes sociais. Há risco a longo prazo?

O jejum intermitente é uma estratégia muita boa, mas existem – pelo menos que eu conheço e aplico – uns cinco protocolos diferentes, que são indicações. Então, se o paciente é diabético ou pré-diabético, há um protocolo que preciso seguir sobre por quantas horas você pode comer e quantas não, e quantos dias da semana você vai fazer isso. Se você faz isso toda segunda-feira, por exemplo, já lhe digo que está errado. Porque nenhum jejum dará resultado se você fixar dias para ele acontecer. E depois, o que você come quando terminam as suas horas de jejum? Se você sai e vai para comer um quilo de churrasco, não adianta nada. Então, você precisa ter ajuda do profissional para saber qual é o protocolo indicado para você.

Aquela ideia de buscar um nutricionista apenas quando se quer emagrecer é uma leitura equivocada que as pessoas têm, quando na verdade devem focar em todos os outros benefícios de se ter uma alimentação saudável?

Eu não acredito em prescrições absurdas para quem não tem como seguir. Falar que só pode usar sal rosa do himalaia quando você só tem acesso ao sal iodado, não rola


Ira Soraya Corrêa da Costa

Acho que isso até já mudou um pouco. No meu consultório, mesmo, poucas pessoas vão buscando emagrecimento. A maioria vai em busca da longevidade saudável, quer ser uma pessoa melhor quando estiver lá com seus 70 anos. E para isso, você tem que começar ontem, desde a hora que nasceu. Esse trabalho de consciência de como ser saudável não é algo que nasce de um dia para o outro. Você não leva uma vida até agora, muda radicalmente e amanhã está saudável. Isso não existe, você não vai conseguir sustentar isso. Então, é preciso criar metas pequenas, até que você chegue no objetivo. Eu gosto de fazer uma comparação dessa busca com uma maratona por todo o litoral brasileiro. Você imagina que todo mundo que sai correndo desesperado na largada vai chegar primeiro em um percurso de Santa Catarina até Natal? Lógico que não. Você precisa se preparar, correr sabendo que vai sentir dor e cansaço, que precisa de material adequado. É o mesmo processo na nutrição. Eu olho para o futuro e digo que quero envelhecer saudável, caminhando, lendo, viajando, tendo autonomia. Então, quais as ferramentas que eu preciso para isso? Eu encaro isso tudo e já não é mais um problema, mas um desafio. Não dá para querer resultado sem viver as regras que aquele caminho lhe impõe, buscar resultado imediato. Eu, por exemplo, detesto exercício físico. Mas eu treino há 27 anos. Eu vou treinar porque eu tenho um compromisso comigo. E não tem nada de “tá pago”. Você não está devendo ninguém. Você está fazendo para buscar se movimentar melhor, viver melhor. Então, é isso: você precisa colocar na sua consciência que precisa ser saudável para poder ter uma longevidade saudável. É preciso saber quais são as regras com as quais você consegue viver.

Rodinei Crescêncio/RDNews

Nutricionista Ira Soraya Corr�a da Costa

Há pessoas que criticam os nutricionistas por passarem planilhas alimentares impossíveis de serem seguidas. É preciso desmistificar essa visão que algumas pessoas têm desses profissionais?

Se isso acontece, acho que a pessoa está no nutricionista errado. Todo mundo que se viu nessa situação, com uma prescrição inviável, entendo que a consulta foi péssima. Porque durante a consulta eu preciso saber qual é o seu padrão social, a logística que você tem para comer. Você pode disponibilizar de alguém para preparar comida na sua comida? Ou você só come no restaurante do refeitório da empresa? Nesse último caso, o que é servido lá? Então, temos que encontrar estratégias para dar certo, que são adaptáveis a situação de cada um. Eu preciso criar com o paciente uma forma dele estabelecer essa rotina saudável. Eu não acredito em prescrições absurdas para quem não tem como seguir. Falar que só pode usar sal rosa do himalaia quando você só tem acesso ao sal iodado, não rola. Quando eu percebo isso, eu preciso colocar sugestões que você possa usar. Porque o difícil já é mudar. Se eu não for um profissional que crie situações para ajudar o paciente a sair da situação em que está e virar a chave, a consulta não valeu.

O paladar da criança está sendo construído desde a gestação. A criança fica dentro de um líquido, então, se a mãe consome uma alimentação saudável, a criança vai treinando as papilas gustativas. E o contrário também é verdadeiro


Ira Soraya Corrêa da Costa

A obesidade infantil vinha aumentando no país, o que reflete também em adultos com o mesmo problema. É importante ter um acompanhamento nutricional desde a infância? A solução para esse cenário está na base?

Eu diria que o grande problema são os pais. Eu fico feliz quando chega uma paciente no meu consultório querendo gestar, porque eu digo que estaremos fazendo crianças mais saudáveis. Porque hoje só tratamos as doenças das crianças, por exemplo. E se eu penso em ter uma gestação saudável, eu já consigo eliminar muita coisa: desde a alergia alimentar, que eu consigo diminuir a probabilidade, como também consigo tratar e eliminar a obesidade. Na gestação, a gente faz uma programação metabólica. O paladar da criança está sendo construído desde a gestação. A criança fica dentro de um líquido, então, se a mãe consome uma alimentação saudável, a criança vai treinando as papilas gustativas. E o contrário também é verdadeiro. Se ela come muito doce, essa criança está sendo gestada em uma água com açúcar. Então é óbvio que o paladar dela para o açúcar é muito afinado e quando ela experimentar a primeira coisa com açúcar, foi-se. E o problema continua. Embora a Organização Mundial de Saúde recomende que o açúcar só deva ser oferecido após dois anos de idade, muita gente oferece refrigerante ou suco com açúcar na mamadeira da criança. Então, o maior problema da obesidade infantil são os pais. E isso vai refletindo no futuro. O filho não é um extraterrestre. Ele é filho dos seus pais. Às vezes, os pais vão ao nutricionista para emagrecer a criança, quando eles dois são pessoas obesas, sedentárias, fumantes. Como você quer ter um filho que coma folhas na hora do almoço se você não come? Ele vai comer o que você come.

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